quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Foi lançada recentemente uma nova edição do "Livro do Desassossego":

... da responsabilidade de Teresa Sobral Cunha*, uma das investigadoras responsáveis pela primeira edição do Livro em 1982**, e que continuou a trabalhar nele durante anos com o fito de apresentar ao público uma edição digna da complexidade de ideação (inacabada) do próprio Pessoa, segundo os seus numerosos planos e tendo em conta a evolução da atribuição do Livro a "personalidades" diversas: Vicente Guedes e Bernardo Soares.

Esta é a segunda edição do "Livro do Desassossego" que leio.
A primeira foi da responsabilidade de Richard Zenith*** e aqui está a capa do meu exemplar:

A diferença essencial entre estes dois livros diz respeito à organização dos trechos:
- no primeiro caso ela é cronológica - a datação dos textos é conjecturada a partir das suas características físicas, assim como pelas afinidades temáticas, sendo que a maioria dos textos tardios (os de Bernardo Soares) estão datados.
- no segundo caso, é temática, mas o investigador norte-americano chega a propor no prefácio uma edição ideal em folhas soltas, estabelecendo assim um paralelo conceptual com a dispersão "natural" dos textos.

Duas leituras bem diferentes portanto.

Resta-me dizer que o "Livro do Desassossego" é alvo de forte atenção editorial desde a década de 1960, estando a edição inaugural inicialmente a cargo de Jorge de Sena (um dos primeiros editores de Pessoa, com o volume "Páginas de Doutrina Estética" de 1946), empreendimento do qual teve que desistir por estar nessa época a residir e a trabalhar do outro lado do oceano atlântico, mas para a qual ainda escreveu uma volumosa introdução (em muitos aspectos definitiva) que poderão consultar no seguinte volume:

Para acabar, um excerto da "Marcha Fúnebre para o Rei Luís Segundo da Baviera", do "Livro do Desassossego" de Fernando Pessoa/Vicente Guedes:

«... A vida da matéria ou é puro sonho, ou mero jogo atómico, que desconhece as conclusões da nossa inteligência, ficção de superfície e do descaminho, e os motivos da nossa emoção. Assim a essência da vida é uma ilusão, uma aparência, ou é ser ou não ser, e a ilusão e aparência de nada ser, tem que ser não-ser, a vida é a morte.
Vão o esforço que constrói com os olhos na ilusão de não morrer! «Poema eterno», dizemos nós; «palavras que nunca morrerão»! Mas o esfriamento material da terra levará não só os vivos que a cobrem, como o (...)

Um Homero ou um Milton não podem mais que um cometa que bata na terra.
»
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*: Autora da (re)construção de "FAUSTO - Uma Tragédia Subjectiva" de Fernando Pessoa.
**: Recolha e transcrição dos textos, Maria Alhiete Galhoz e Teresa Sobral Cunha; prefácio e organização de Jacinto do Prado Coelho.
***: Também tradutor da obra para inglês.

1 comentário:

Miguel Moreira disse...

Pequena correção: parece-me que afinal, a haver planos, não são numerosos, nem planos, são mais "intenções".