sexta-feira, 13 de março de 2009

Uma das coisas que eu acho particularmente intriguantes na obra de Fernando Pessoa, ou para ser mais específico, no conhecido texto em que Álvaro de Campos expõe a sua teoria da estética da força oposta à estética aristotélica, de imitação, é a sua referência às geometrias não-euclidianas.
Esse texto* serve, aliás, de introdução à estreia literária póstuma de Alberto Caeiro - antecedida por uma disputa prévia entre o engenheiro naval e Fernando Pessoa sobre cultura e metafísica, e começa assim:

«Toda a gente sabe hoje, depois de o saber, que há geometrias chamadas não-euclidianas, isto é, que partem de postulados diferentes dos de Euclides, e chegam a conclusões diferentes. Estas geometrias têm cada uma um desenvolvimento lógico: são sistemas interpretativos independentes, independentemente aplicáveis à realidade. Foi fecundo em matemática e além da matemática (Einstein bastante lhe deve) este processo de multiplicar as geometrias "verdadeiras", e fazer, por assim dizer, abstracções de vários tipos na mesma realidade objectiva».

Após este início "explicativo-científico" (que vem continuar a disputa a que me refiro no início deste post, iniciada por Álvaro de Campos com a acusação deste heterónimo ao ortónimo de confundir fiolosofia com o que não é ciência), o senhor engenheiro passa a assuntos de ordem estética... não-aristotélica e cujo exemplo máximo é a obra de Alberto Caeiro.

Como os que já tiveram aulas de geometria se devem lembrar, a geometria euclidiana define uma recta paralela a outra como sendo aquela única que, passando por um ponto exterior à primeira, vai-se encontrar com ela no infinito, isto é, nunca se encontrando as duas, sendo esta a definição "ideal", imitativa da nossa realidade tridimensional.
Mas também se sabe que as formas "ideais" abstractas não existem como tal na nossa realidade objectiva.
É por isso bastante engraçado ler outra disputa presente na obra pessoana, sobre esse mesmo tema: o infinito e, consequentemente, a impossibilidade pragmática da geometria euclidiana ser a única verdadeira.
A "disputa" ou diálogo a que me refiro agora está presente em uma das "Notas para a Recordação do meu Mestre Caeiro", a terceira (de cinco), que vieram a público pela primeira vez na revista Presença (1931), e de que transcrevo a seguir um excerto:

[Fala Aberto Caeiro, a propósito de poetas materialistas:]
«Mas isso a q. você chama poesia é que é tudo. Nem é poesia: é ver. Essa gente materialista é cega. V. diz que eles dizem que o espaço é infinito. Onde é que eles viram isso no espaço?»
[Álvaro de Campos:]
E eu, desnorteado. «Mas v. não concebe o espaço como infinito?»
«Homem», disse eu, «suponha um espaço. Para além desse espaço há mais um espaço, para além desse mais, e depois mais, e mais, e mais... Não acaba...»
«Porquê?» disse o meu mestre Caeiro.
Fiquei num terramoto mental. «Suponha que acaba», gritei. «O que há depois?»
«Se acaba, depois não há nada», repondeu.
Este gênero de argumentação, cumulativamente infantil e feminina, e portanto irrespondível, atou-me o cérebro durante uns momentos.


... Escrito isto, convém também dizer que demorei bastante tempo a perceber a possibilidade de haver outras geometrias, igualmente aplicáveis, igualmente verdadeiras, já que de matemático, ou geómetra, tenho pouco.
Mas como sempre, nestes casos, um problema de difícil resolução pode ser mais inteligível através de um desenho:

^^^ Acima, a representação de uma recta e de três das suas paralelas, de um número total infinito...
Também como sempre, e não só nestes casos, a ajuda necessária para a resolução de um problema pode vir de fora.

Foi ao reler a resposta de Agostinho da Silva** (à época residente no Brasil) ao Sr. Dr. Jacinto Prado Coelho (por personalidade literária interposta, neste caso com a assinatura do tenente-coronel António Augusto de Botelho Mourão) a propósito da crítica deste último ao livro do primeiro intitulado "Um Fernando Pessoa", e da qual passo igualmente a transcrever um bocado, que se fez luz sobre esta matéria:

«Mas o que eu queria dizer não era isso, embora a matemática venha muito a propósito para o que eu queria dizer. Porque eu posso fazer várias matemáticas segundo o grupo de postulados que tomo, e umas servem para uns casos, outras para outros; dentro de cada uma sou obrigado a ser lógico; assim posso ser de Euclides ou de Lobatchevsky, à minha vontade, ou segundo o meu fim, o que não posso é confundir um com o outro».

Nicolaï Lobatchevsky (1792-1856), foi o primeiro matemático a publicar a descrição de uma geometria não-euclidiana - a geometria hiperbólica, e a representação das rectas paralelas acima apresentada é da sua "autoria".

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*: "Apontamentos para uma estética não-aristotélica", parte I e II: páginas 113 a 115, e 157 a 160, do primeiro (e único) volume da "Athena - Revista de Arte", publicado em vida do poeta (década de 1920), e de que a Contexto Editora tem uma fantástica edição facsimilada...
**: Em "As Folhas Soltas de São Bento e Outras", edição de autor, 1965-1968, reproduzidas em "Textos Vários - Dispersos", da Âncora Editora.

sábado, 7 de março de 2009

A terceira meia-página deste ciclo (VI-3-c):

... Onde se desenvolve a ideia anteriormente abordada: "génio ou loucura".

Conforme se percebe pelo comentário da Catarina (colorista) ao ante-penúltimo post, o trabalho de cor no último quadradinho da m-p aí apresentada foi uma grande "dor de cabeça"... E de tal forma o foi que me esqueci de mostrar a fotografia que serviu de base à representação do Fernando e do Mário em "trajo exótico", o que vou agora corrigir:

quinta-feira, 5 de março de 2009

A segunda meia-página deste ciclo (VI-3-b):

E um retrato de Charles Baudelaire (1821 — 1867), de cabelo não-verde:

domingo, 1 de março de 2009

E agora uma estreia neste blogue:
vídeos do Youtube, encontrados pela Catarina - colorista:

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Trata-se de uma entrevista em duas partes do brasileiríssimo Jô Soares ao Will Eisner! No início poderão ver o Laerte sentado perto do Mestre...