segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Para colmatar o vazio bloguista criado por esta quadra natalícia (e por uma carga descomunal de trabalho que se vem arrastando há já sete anos), deixo-vos com uma anedota "brejeira" que, segundo consta, terá feito rir Fernando Pessoa a "bandeiras despregadas" durante uma tertúlia lisboeta nos anos 30 (se a memória não me engana), o que admirou muito os outros tertulianos já que ele não ria das piadas mais "cultas":

Dois laureados professores catedráticos vinham em animada conversa quando reparam que no passeio oposto, e dirigindo-se em sentido contrário, se arrasta um farrapo humano ostentando andar indeciso e trémulo, obrigando-o a paragens repetidas e sendo evidente a angústia em que se debatia.
E um dos conspícuos professores apontando para o paciente diz: «colega, onde pode conduzir a incontinência alcoólica; tem diante de si um dos mais típicos casos de delirium tremulus que ao longo da vida me foi dado observar».
Ao que o outro retorquiu: «está o colega redondamente enganado, pois não se trata de delirum tremulus, mas das sequelas de uma paralisia infantil. Com efeito, não são nele as tremuras que dominam, mas a paralisação e atrofiamento de músculos dos órgãos motores».
Novas razões são invocadas de lado a lado e a disputa anima-se de forma singular até que um dos contendores propõe: «o mais prático e decisivo é tirarmos o caso a limpo e interrogarmos de viva voz o paciente».
Procuram referenciá-lo, o que não se tornou sobremodo difícil, pois, que no decorrer de longa e acesa discussão, o desgraçado apenas tinha avançado umas dezenas de metros, com paragens sucessivas.
Atravessam, pois, a rua e alcançando o presumível doente e pedindo desculpa por o fazerem, expõem em resumo do que se trata e como se acendeu animada discussão acerca do seu caso clínico.
O paciente ouve-os com um misto de enfado e constrangimento, por lhe devassarem a vida pessoal, e quando os dois ilustres catedráticos acabam por calar-se, tendo esgotado todos os argumentos e todas as dúvidas, ele resignado diz: «o senhor X enganou-se; também o senhor professor Y lavra, por seu turno, em grande erro, mas eu também, por meu turno, me enganei, pois que julgava que era uma bufa e, afinal, era merda. Estou atascado na mesma e não sei como vou chegar a casa».
Fernando Pessoa riu a bandeiras despregadas e descobriu grande fundo filosófico na brejeira anedota: como é que o mais profundo saber pode errar redondamente. E como a razão humana nos atraiçoa, por vezes, nos factos mais insignificantes da vida.


(Anedota tirada de: “Fernando Pessoa na intimidade”, da autoria de Isabel França, Edições D.Quixote).

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

As meias-páginas segunda e terceira deste ciclo (VI-1-b&c):

... A página nº40 do livro.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

AGORA SOBRE B.D. "em geral":

Na sequência do lançamento norte-americano da nova edição da sua primeira Obra de Arte em banda-desenhada, "Breakdowns" - aumentada de um prefácio desenhado e contextualizada historicamente por ele próprio, são muitas as notícias/entrevistas sobre Art Spiegelman (1948-...) a encontrar na internet.
Aqui está uma particularmente interessante (não "editada", segundo nos diz o seu autor) onde Art nos dá a sua (nossa) definição do que é a arte ("that stupid college question"):
«A arte é tudo o que dá forma aos pensamentos e sentimentos individuais...».

... Já nos anos 60/70 Spiegelman tomara sobre si a responsabilidade - ousada à época e ainda hoje- de reclamar para a B.D. o estatuto de Forma Artística. A sua obra-prima, "Maus - a história de um sobrevivente" (que demorou 13 anos a ser feita), foi mundialmente reconhecida como tal.

Vem-me à cabeça falar a esse propósito da obra de outro autor norte-americano, também ele um paladino da banda-desenhada, o Will Eisner (1917-2005):

[^^^Aqui nas palavras/imagens de Scott McCloud, em "Reinventing Comics". As iniciais assinaladas por um asterisco no 4º quadradinho significam: National Cartoonists´Society.]

... E dando seguimento ao tom mais optimista do post de Novembro sobre "As Ideias Negras" de Franquin, convém mencionar a publicação em Portugal deste álbum*:

... Um retrato magistral (e trágico) do percurso de várias gerações que se unem num mesmo tronco familial, endinheirado e com "estatuto" social, com a crise bolsista dos anos 30 em pano de fundo.

Este autor evidencia nas suas obras tardias uma particularide rara: em vez de partir de uma "grelha" gráfica dentro da qual a acção decorre e consequentemente por ela é moldada, é o próprio conteúdo da acção (sentimentos e ideias) que dá forma gráfica à página, por ordem de importância, como podem constatar no exemplo acima reproduzido (ordem essa que não corresponde à sequencia da leitura verbal mas antes à da percepção visual) : há um acontecimento social ao qual a esposa não irá por causa de uma discussão que o marido provoca: combinara previamente ir com a amante...

*: Há mais duas obras deste autor editadas em Portugal - edições Gradiva - e encontram-se com alguma facilidade os originais e versões brasileiras...

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A primeira meia-página de um novo ciclo de 5 (VI-1-a):

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Para ler em continuidade parte do trabalho final, aqui está o terceiro grupo de 5 meias-páginas do primeiro ciclo de 15 m-p do segundo conjunto de 45 do primeiro arco de 90 - (I-B-I-3):

A última meia-página deste ciclo (V-3-e):

E informações sobre o "Congresso Internacional Fernando Pessoa":

...(organizado pela Casa Fernando Pessoa) que decorreu de 25 a 28 de Novembro, no blogue "Um Fernando Pessoa" de Nuno Hipólito - aqui.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A quarta meia-página deste ciclo (V-3-d):

Seguida de um retrato do republicano Antero de Quental (1842-1891):

domingo, 23 de novembro de 2008

A terceira meia-página deste ciclo (V-3-c):

O desenho do primeiro quadradinho é a "reprodução" de uma fotografia do "Pensador" de Auguste Rodin (1840-1917), que ganhou fama e autonomia sob esta designação mas que continuou sendo parte do seu monumento intitulado "A Porta do Inferno" (segundo a "Comédia" de Dante) onde está integrado e aí representa O Poeta...

^^^ Dante Alighieri (1265-1321), "o vadio" segundo Bernardo Soares.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Para compensar um bocado o tom negativista do post de Outubro sobre publicação de banda-desenhada em Portugal, quero agora falar de uma boa ideia e de um feliz acontecimento que ocorreu no ano de 2001:

As "Ideias Negras" de Franquin, o Grande !, foram publicadas em português pela editora "Witloof"!... (Uma editora de Coimbra se não estou enganado - entretanto extinta, ou em dormência).
Aqui está a primeira (meia-) página:

Esta edição surgiu depois da publicação integral em França desta obra-prima tardia do autor belga - que a publicara previamente nas páginas da revista Fluide Gacial*, e depois em álbum; dois para ser exacto: o primeiro em formato horizontal - um "gag" por meia-página - e o segundo no formato vertical - onde os gags ocupam toda a página, à semelhança da evolução que seguiu com o seu "Gaston Lagaffe" - com capas e contracapas encarnadas. A edição portuguesa retomou o novo visual - preto, mas reduziu o formato para quase metade... Porquê?

Quanto ao título^^^ - magnificamente desenhado, os "witloofenses"** optaram por só o mostrar no interior do livro, o que, convenhamos, foi a opção mais fácil, e mesmo assim mal conseguida.

No entanto é de louvar a iniciativa visto ser esta uma peça importante do puzzle mundial da banda-desenhada.
......................................
*: Há muitos anos à venda em Portugal.
**: Aliás, responsáveis por outras boas ideias - concretizadas - de publicação.
A segunda meia-página deste ciclo (V-3-b):





E mais notícias sobre o "Leilão Pessoa", aqui [DN] e aqui [Um Fernando Pessoa].

domingo, 9 de novembro de 2008

A primeira meia-página do terceiro ciclo de 5, do conjunto V de 15 (V-3-a):




... E mais informações sobre o "caso" do leilão do restante espólio pessoano (em possessão da família) neste link [Diário de Notícias].

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

ESTE LIVRO, de 475 grandes páginas de letras miudinhas:

... como o título indica, dá-nos a conhecer LISBOA e a sua História - desde o início do século XIX até ao ano de 1950.
Abundamente ilustrado com fotografias da época, é composto de relatos históricos, peças literárias e jornalísticas, e acaba com uma preciosa Cronologia de 70 páginas... Um companheiro ideal para percorrer a Lisboa de Fernando Pessoa.

Abaixo, um excerto da primeira cena de convívio familiar de Fernando em Lisboa, com o primo:

E o primo Mário Nogueira de Freitas num desenho a lápiz da autoria de Catarina Verdier (colorista):

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Para ler em continuidade parte do trabalho final, aqui está o segundo grupo de 5 meias-páginas do primeiro ciclo de 15 m-p do segundo conjunto de 45 do primeiro arco de 90 - (I-B-I-2):

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Metade a preto e branco da última meia-página deste ciclo (V-2-e):

A imagem de Fernando Pessoa de chapéu tem fortes semelhanças com uma série de imagens da autoria de Moebius:

Reproduzo aqui parte da cena final da sua "Garagem Hermética" - a que dará continuidade anos mais tarde:

... Continuação directa aliás, já que a porta pela qual o Major Grubert escapa à ameaça de morte pendente vai dar directamente a uma estação de metro, a suposta "realidade" da qual sairá para outra igualmente irreal.

"A Garagem Hermética" foi o primeiro álbum de BD que comprei quando regressei "definitivamente" a Portugal.
Nesse ano longínquo de 1991, o álbum custou-me 900 escudos, leram bem: 900 escudos - 4 euros e meio!
Seis anos depois o álbum "O Homem do Ciguri" valia 2150 escudos (10,75 euros)!
Hoje em dia esses livros devem valer entre 15 e 20 euros... Três ou quatro vezes mais.

Este aumento dos preços não depende só da inflação ou do que quer que seja; também depende de opções editoriais. Basta ver o caso das revistas de super-heróis que deixaram de ser publicações baratas (brasileiras) para passarem a super-produções em papel "couché" (acompanhando a tendência americana, é verdade) com preços iguais ao dos livros em geral, o que veio a ser, suponho, a causa funesta do desaparecimento total dete tipo de publicação do seu meio natural: a banca de jornais e revistas.

E o que dizer deste caso mais flagrante: a capa abaixo reproduzida é de um dos meus cinco volumes da tradução brasileira da série (campeã de vendas) intitulada "AKIRA", japonesa logo a preto e branco mas colorida por americanos.

Este álbum de quase 400 páginas foi por mim descoberto por acaso e comprado por 900 escudos também!... Não pude completar a história que devia contar com dez volumes (logo umas 4000 páginas) porque a sua esparsa distribuição foi interrompida.
Anos depois a editora "Meribérica/Liber" começou a publicação da mesma série, também a cores mas em volumes com no máximo 200 páginas, em papel mais grosso, e com preços que deviam rondar os 15 euros ou mais... O Nuno Costa, um amigo meu, começou a colecção mas desistiu rapidamente; pudera! Por esse preço a história completa deveria valer uns 60 contos (300 euros)!
A publicação da série foi interrompida a meio e a editora faliu entretanto. Não me pergunto porquê.
Mais um capítulo da novela:

...Que se espera que venha a ter um desfecho feliz; para seguir neste link.

E um pequeno "filme" dos anos 30, cortesia de Nuno Hipólito, neste link.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A terceira meia-página deste ciclo (V-2-c):

Seguida do seu original a preto e branco, e do retrato do poeta (e não só) alemão, Goethe, da autoria de um seu contemporâneo (Johann Tischbein) e que, à semelhança da m-p anterior, nos serviu de referência visual directa:

Essa e esta formam a página nº 35 do livro:

A partir da qual seria possível criar outra meia-página:

... Cujo defeito seria a demasiada proximidade dos dois quadradinhos de texto, que "respiram" melhor separados pelos títulos das respectivas m-p e acompanhados pela acção paralela com o Morte.

A propósito: a meia-página intitulada "Rosa dos Ventos" começou, ela sim, por ser duas m-p diferentes, com a cena diurna numa e a nocturna noutra; eram acompanhadas por outra acção em paralelo (o Fernando a escrever) que não se revelou satisfatória, e desta forma o texto, algo obtuso, e o seu sentido, ganharam a merecida unidade que as manchas de rosa sublinharam...

domingo, 5 de outubro de 2008

E SE...?:

A imagem acima apresentada foi reproduzida a partir do meu exemplar da fotobiografia de bolso de Fernando Pessoa, da autoria de Maria José de Lencastre. Mais uma na série que ficou para a posteridade, a dos retratos do poeta em movimento nas ruas da Baixa lisboeta*, esta tem no entanto uma particularidade que a legenda parece descrever acuradamente: «Pessoa descendo o Chiado com Augusto Ferreira Gomes».
*: Quase(?) uma encenação - a do "poeta citadino", como comentou o meu amigo João Alves.

De facto, esta imagem mostra a decomposição de um movimento em três... fotografias, ou deveria eu dizer: três fotogramas.
Eu não sou, de modo nenhum e pelo contrário, especialista em fotografia, mas quer me parecer que uma máquina fotográfica normal não permite este tipo de "representação", ainda para mais na época em que parece se desenrolar a "acção"...

E foi assim que eu acabei por perguntar à autora do livro (durante um "curso livre" sobre F.P. no final de 2007 ou início de 2008, na Faculdade de Letras de Lisboa) se aquilo não era, enfim, parte de um filme ou qualquer coisa assim ...
Para me justificar, e porque de facto pensei assim, disse que os furos que seguiam paralelamente as imagens faziam lembrar a película dos filmes.
Alguém contrapôs logo que com as máquinas fotográficas também era assim, e de facto é. (Até parece que não sou ainda desse tempo, o das máquinas não digitais).
Maria José de Lencastre, quanto a ela, um pouco surpreendida pela pergunta, respondeu-me que não se lembrava do suporte físico da(s) imagem, visto já terem passado muitos anos desde a realização do livro (o que é perfeitamente compreensível), e em jeito de brincadeira acrescentou que «se houvesse um filme do F.P., já seria do conhecimento público».

Posteriormente, lembrei-me de que os negativos das máquinas fotográficas é que têm, esses sim, os furos dispostos na horizontal, ao contrário do que parece acontecer para os filmes.
Mas, como podem constatar no quarto parágrafo da introdução da página em inglês da Wikipédia sobre fotogramas, também há películas que se movem horizontalmente.

Resumindo: estas três imagens foram muito provavelmente fotogramas de um filme e não fotografias isoladas tiradas a uma grande velocidade.
(Afirmá-lo implicaria saber que essa tecnologia não estava disponível à época, o que, na minha condição de não especialista, é-me impossível).

Enfim... É claro que à primeira vista tudo isto não adianta nada. Se houve uma série de fotogramas de Fernando Pessoa, longa o suficiente para reproduzir o seu movimento descendo o Chiado, só os mortos é que o sabem; ou melhor, souberam...

... Mas já que falo de coisas que se perderam(?), porque não referir o que poderá similarmente estar em vias de acontecer, e que poderão acompanhar detalhadamente nos seguintes links, aqui, aqui e aqui.

Update - 07/10/2008 - O mistério adensa-se: como bem reparou o Nuno Hipólito, há outra imagem do mesmo género, também com três "fotogramas", na Fotobiografia de F.P. (a minha memória também não está grande coisa), mas nesta o poeta aparece sozinho.
Estaremos nós afinal em presença de um tipo de fotografias com apresentação especial, "cinematográfica"?...