E agora, para dar um ar de "actualidade" a este blogue, José Saramago:
... que lançou ontem o seu novo romance, "Caim".
Como se pode ler nos vários artigos jornalísticos apresentados na edição electrónica do "Público", o autor do imaginativo "O ano da morte de Ricardo Reis" veio à praça pública lançar uma série de ideias que serão decerto entendidas por ele como libertárias...
«A Bíblia é um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana».
«A Bíblia passou mil anos, dezenas de gerações, a ser escrita, mas sempre sob a dominante de um Deus cruel, invejoso e insuportável. É uma loucura!».
«O conceito de inferno é completamente idiota».
Dizeres esses que já começaram a suscitar respostas apropriadas:
«O padre Manuel Morujão adiantou que “... ele [José Saramago] encontra absurdos nesta história que sabemos que é uma história simbólica, de Caim e Adão.
O justo e o mau que tem ciúmes daquele que é bom e é louvado.
Estamos numa simbologia que é profundamente humana. Estas histórias acontecem hoje e é preciso também interpretá-las com critérios sapienciais, de ler para além do texto e sabendo com que género literário estamos a tratar».
«O responsável pela comunidade judaica de Lisboa, o rabino Eliezer di Martino, acusou hoje José Saramago de desconhecer a Bíblia, garantindo que o “mundo judaico não se vai escandalizar” com o que o prémio Nobel escreveu».
Independentemente do tom polémico das afirmações públicas do escritor (de quem só li dois livros), e desconhecendo o conteúdo do seu novo romance, não me é no entanto difícil imaginar aonde ele quererá chegar com a sua revisitação do mito de Abel e Caim onde, segundo é relatado, Saramago vê "deus" como o autor intelectual do "primeiro fratricídio"...
Restará aos leitores menos impressionáveis desfrutar, ou não, da sua prosa, que não vale obviamente só pela forma - Ricardo Reis que o diga.
Fica bem no entanto no âmbito deste blogue falar também de um recentíssimo lançamento - de outro tipo mas tematicamente relacionado com o de Saramago - o da adaptação gráfica do primeiro livro do Pentateuco - ilustrado por Robert Crumb:
Personalidade controversa do mundo da banda-desenhada, sobrevivente dos loucos anos 60, é também um excelentíssimo desenhador, e como podem julgar pela imagem abaixo reproduzida, um digno conhecedor da miséria humana:
Aqui também é abordado o mito de Caim e Abel:
- Depois de uma cena humanamente tocante, a tradicional cena de fratricídio (notem a expressão de ambos os irmãos no segundo quadradinho):
Mas não é só de cenas sanguinolentas que se se compõe esta história, ou estórias (... tão velhas !, diz o Crumb na introdução ao livro).
Há cenas de uma grande poesia, tanto visual como sequencial, como por exemplo a seguinte (sublime) onde vemos a famosa arca de Noé encalhada no topo de uma montanha:
... que acabará assim, com um magnífico desenho - de cortar a respiração:
[R.Crumb segue literalmente a recente tradução da primeira parte, de cinco, do primeiro "livro" do Antigo Testamento, também ela literal, da responsabilidade de Robert Alter, o que confere ao seu relato uma aura arcaica, por meio da linguagem, sustentada também pelas imagens e, dada a natureza composta do texto original (vários autores ao longo de séculos), exagera naturalmente a incoerência de certas passagens.]
No capítulo final do Génesis, intitulado "José e os seus Irmãos", assiste-se a uma cena terrível onde José (judeu - o segundo homem mais poderoso do Egipto antigo), depois de prever, interpretando um sonho do Faraó, uma seca que durará sete anos...
... torna-se responsável pelo fim da propriedade privada, alienando todos os bens da faminta população egípcia, e dos arredores, em troca de alimento.
Capitalismo portanto?
Deixo-vos com uma série de críticas ao livro e entrevistas ao autor, via "The Beat".
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
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2 comentários:
Grande post miguel, à volta e "espiralando" (?) em redor do saramago e da bd. Curiosamente, ou talvez não, o saramago tornou-se ele mesmo um quasi-personagem de bd depois do nobel (para o mal e para o bem). Dele também só li duas coisas. Gostei da perspectiva crua que ele teve do Reis - não deixa de ser um original e um destemido em certas coisas.
Concordo Nuno.
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